sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Névoa


"No mundo, existem dois tipos de pessoas: Aquelas que chamam a atenção e as que observam."

E Lucie, sem sombra de dúvida, pertencia a seu próprio mundo de observação. Era uma simples e pequena mancha na paisagem.
De começo, Lucie achava tudo aquilo cômico, até seu torpor. Era indiferente quanto à ausência de sentimentos, a falta de sinais que a tornavam real. Vivia como se fosse invisível, ou, talvez, realmente fosse.
Vestia seu casaco por cima da pele pálida, arrumava levemente seus cabelos louros cor-de-neve e saía de casa logo pela manhã. Tinha um olhar devastador. O vento frio acariciava seu rosto doentio, suas botas afundavam na neve. Essa era sua típica manhã de segunda-feira. Voltava do trabalho com uma nova reclamação ou xingamento de seus superiores em mente. Pouco se importava. Entrava na casa vazia e solitária, passava pelos cômodos gélidos. Ria de si e de sua própria vida. Lucie estava à beira da sanidade.
Se olhava no espelho e não havia nenhum reflexo. Comia algo e não sentia nenhum sabor. O sol entrava pela janela e ela não sentia calor algum. Chegava a madrugada, não havia sinal de sono. Lia algum livro para o tempo passar mais depressa. Mas o relógio ali batia mesmo?
Manhã de terça-feira. Dormia algumas horas mais e saía para distrair-se. Sentava em um banco da praça, lia e relia seu livro favorito ou simplesmente andava a observar o comportamento de pessoas cheias de vida, das árvores, dos insetos, do céu, das nuvens, de qualquer coisa. Os detalhes eram tudo o que chamavam a atenção da garota-zumbi. Observava objetos jogados fora, espalhados pela rua, abandonados, tais como ela. Guardava tudo dentro de si, para que depois pudesse escrever sobre isso. Chegando em casa, encontrava-se sentada na cama, buscando o motivo de tudo e tornando os objetos existentes naquele quarto cheios de movimentos, dava-lhes vida perto de si. Objetos inanimados tinham mais vida que Lucie.
Madrugada de quarta-feira. Um despertar sempre às 02:21. Coisas sobre a mesa, vozes dentro de uma cabeça. Um precipício dentro de uma casa nublada.
Saía pela manhã, como de costume. Iniciava sua caça aos detalhes. Enxergava o que as pessoas não tinham tempo de notar. Pela tarde, existiam encontros falidos, porém um tanto esperançosos. De nada serviam. Fingia ser normal. Via-se dentro de um vestido cinza-grafite e um sorriso ensaiado no rosto. A exaustão a acompanhava no caminho de volta para casa.
Quinta e sexta-feira. Dias com pensamentos nublados. Dias em que não saía de casa. Dias livres para fazer o que quisesse. O problema é que nada queria.
Sábado, domingo. O passado voltava para assombrá-la. Passava dois longos dias com sua ''família'', se é que poderia chamar assim. O mínimo que ela faria era fingir e não preocupá-los, como se eles se importassem.
O problema é que nada estava bem, e isso viria a piorar.
A rotina foi perdendo-se quando o torpor deu lugar ao sofrimento, e à dor, e à angústia e por fim ao desespero. Suas lágrimas pesadas inundavam a casa, afogando-se em sua própria angústia. O travesseiro tornou-se o mar de sua tragédia. Seu olhar tornou-se vazio e sem foco, seu corpo rasgado e seus órgãos arrancados. Já estava morta internamente. Durou um período sofrido de tempo, até que por fim, em um dia mais frio e gélido que o normal, havia alguém com traços esqueléticos e femininos, com cabelos cor-de-neve, olhar distante e deitado imóvel ao chão do banheiro - este inundado por lágrimas e poças de sangue. Carregando-a nos braços, a névoa a levara dali.

7 comentários:

  1. Talvez meu nome devesse ser Lucie.
    A grande diferença que é, por um motivo que até mesmo hoje não descobri, não me entreguei a névoa. Pelo menos, não ainda.
    Que escrita bela, Cá. :3
    Não sei mesmo o que dizer, porque suas palavras disseram tudo. Não sobraram mais frases bonitas (ou até mesmo tristes) para se falar, todas estão em seus textos.
    Gostei muito daqui, e pretendo voltar mais vezes. Você ganhou uma nova leitora. :3

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  2. Uma pena que a Lucie tenha tido uma vida tão bonita mas tão vazia. Às vezes acontece da gente não saber o que fazer conosco, mas, é. Vai ver ela foi mais feliz assim.

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  3. Um dia eu me chamará Lucie. E quase deixei que a névoa me levasse. Quase.
    Vida sem objetivos só nós traz o torpor. Como um beco sem saída o aceitamos, deixamos alojar em nosso peito até que - meio sem perceber - o deixamos vencer. A névoa um dia, se diluiu. Estou conhecendo o ar, o vento, a ventania. É uma sensação boa, ás vezes...
    Um beijo, @lovlovemedo.

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  4. Não sei como agradecer, Ninha. Muito obrigada, de verdade. Sinto-me lisonjeada por ter leitores como você. Volte sempre que quiser. Um beijo.

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  5. Sim, é verdade, Nathália. Mas tudo acontece por alguma razão, mesmo que ela seja difícil de entender.

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  6. UAUU... de mais esse seu conto! Gostei de bastante. Vou ler outros contos seus já!
    beijos já te sigo!

    Artur César.

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  7. Muito, muito obrigada mesmo, Artur! Fico muito feliz por ter gostado. :D

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